O Supremo Tribunal Federal começou a julgar uma ação da Mesa Diretora do Senado que quer transformar o Congresso Nacional numa fortaleza intocável — um pedido formal para que só o STF possa autorizar buscas e apreensões nas dependências parlamentares. A disputa chega num momento explosivo: o Legislativo pressiona por blindagens e até anistia para os condenados do 8 de Janeiro, enquanto o Judiciário tenta afirmar seus mecanismos de controle. O resultado desse julgamento vai além de tecnicalidades jurídicas; é uma encruzilhada política sobre quem manda no país.
O contexto: blindagem e anistia
A ação, que remonta a 2016 e nasceu da polêmica Operação Métis — que investigava supostas ações de contrainteligência para atrapalhar a Lava Jato — voltou à tona num cenário bem diferente. Nesta semana, três ministros já votaram para fixar que é competência exclusiva do STF autorizar buscas e apreensões no Congresso e em imóveis funcionais ocupados por parlamentares: Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes. Ainda faltam os votos de oito ministros; o plenário virtual recebe manifestações até o dia 26.
A Mesa do Senado insiste que não se trata de blindagem, mas de proteção institucional. “O que se sustenta é que as medidas cautelares deferidas por juízo de primeira instância, quando dirigidas ao local de desempenho da função pública, necessariamente vão alcançar conteúdo relacionado a esse desempenho, ou seja, informações estratégicas ou protegidas por sigilo” — Mesa Diretora do Senado. Traduzindo: “não nos vasculhem porque podemos achar algo inconveniente para a política”. E quem fica desconfortável com isso? Exatamente: quem tem contas a acertar com a lei.
O relator Cristiano Zanin colocou o dedo na ferida ao dizer que apreensões em espaços parlamentares repercutem sobre o exercício do mandato, mesmo que o parlamentar não seja alvo direto. “A apreensão de documentos, ou aparelhos eletrônicos dentro do Congresso, ou em imóvel funcional de parlamentar repercute, mesmo que indiretamente, sobre o desempenho da atividade parlamentar” — Cristiano Zanin. Alexandre de Moraes foi na linha da harmonia institucional, mas deixou claro que a independência dos Poderes não impede o Judiciário de adotar medidas coercitivas quando previstas constitucionalmente. “Os poderes de Estado… devem atuar de maneira harmônica, privilegiando a cooperação e a lealdade institucional… e essa mesma independência dos Poderes consagra a possibilidade de o Poder Judiciário determinar medidas coercitivas em relação aos membros do Legislativo” — Alexandre de Moraes.
O que está em disputa é a capacidade do Judiciário de investigar quem quer que sejam os poderosos. Não se trata apenas de proteger segredos de gabinete — trata-se de impedir que o Legislativo se converta num paraíso para impunidade. E, convenhamos, num país onde o bolsonarismo e suas ramificações sonham com o toma-lá-dá-cá e com a impunidade para seus crimes políticos, qualquer tentativa de blindagem merece desconfiança e resistência.
A leitura que fazemos na Luta Socialista é clara: a direita quer muros. Querem que as instituições sirvam de colete à prova de bala para seus aliados corruptos e golpistas. Enquanto isso, precisamos de instrumentos públicos fortes para responsabilizar quem violou a lei — e para isso o papel do STF é central. Não vamos aceitar que o Congresso se transforme em um bunker imune à lei.
Para nós, que militamos por transformações de fundo, a batalha jurídica é também política. Lula e o PT, que foram e são essenciais para derrotar a extrema-direita e recuperar o Estado democrático, têm diante de si a tarefa de avançar numa agenda que fortaleça o controle público sobre o poder e proteja o interesse popular contra as ambições de bilionários e privatistas. Se o objetivo é construir uma etapa anticapitalista e popular no Brasil, não podemos ceder terreno para as artimanhas que buscam garantir impunidade ao bloco conservador.
O julgamento no STF será um termômetro: confirma-se que nenhum espaço público está acima da lei, ou a elite política conseguirá institucionalizar sua impunidade? A resposta vai dizer muito sobre o que vem pela frente — e sobre como a luta democrática precisará se organizar nas ruas e nos tribunais.